segunda-feira, 29 de março de 2010

17h53min. Ela andava apressadamente por entre as várias ruelas do centro da cidade do Recife. Apesar da aparente exaustão de um dia que começou cedo demais para seus padrões e de estar carregando três livros - que pareciam, naquele momento, ser muito mais pesados do que realmente deviam ser - na mochila em suas costas, ela apressava cada vez mais o passo. Além disso, as ruas estavam mal iluminadas e mesmo com o razoável fluxo de pedestres, era um tanto perigoso estar andando aquela hora sozinha por ali. E ser assaltada, definitivamente, não estava em seus planos. Continuou a apressar-se.
Dobrou uma esquina e logo avistou uma igreja com as portas abertas. Estava havendo uma missa, ou algo do tipo e podia-se ouvir algumas pessoas lá dentro entoando algum cântico incompreensível. Ela, obviamente, deu uma espiada. Talvez por nunca ter estado muito presente em sua vida, a liturgia católica ainda despertava certa curiosidade nela. Viu a imensa abóbada que cobria o interior da igreja, algumas pessoas ajoelhadas perto do altar e um homem com uma túnica branca com um ar bastante sacro.
- Bizarro - disse pra si mesma.
Deu de ombros. E continuou a apressar o passo.
Mais algumas esquinas e finalmente desembocou na Av. Conde da Boa Vista.
Não conseguiu conter seu desconforto ao ver aquelas centenas de pessoas se movendo freneticamente para todos os lados e o enorme número de ônibus que se agrupava em fila indiana anunciando um trânsito provavelmente caótico. Vendedores ambulantes gritavam frases semi-indecifráveis e pessoas se acotovelavam nas paradas de ônibus. Ela se sentiu num formigueiro. Pior, em um formigueiro em plena revolução, se é que existem formigas revolucionárias - elas são tão organizadas.
Respirou fundo. Se arrependeu. Quase podia sentir a fuligem entrando em suas narinas e se impregnando em sua pele.
- Droga - lamentou ela.
De repente, teve uma idéia inesperada.
- Vou cantar! - exclamou, surpreendendo-se consigo.
Começou, então, a entoar baixinho alguns versos da primeira canção que lhe veio a cabeça.
- "Michelle, ma belle..."
Parou e percebeu que tinha esquecido a letra.
Tentou puxar da memória algo melhor. Veio. Mas sabia que seria constrangedor cantar aquilo com várias pessoas passando ao seu lado na calçada.
- Foda-se - disse ela, decidida.
Pigarreou e preparou a voz para a nota que tentaria atingir em seguida.
- "The hills are alive with the sound of music..."
Não cantou muito alto, mas foi o suficiente para atrair um ou dois olhares. Se sentiu um pouco ridícula, mas continuou firme com o resto da música que sabia de cor.
Enquanto cantava, o vento batia carinhosamente em seu rosto, e apesar de na sua paisagem só haver asfalto, por um momento, ela começou a sentir que podia trazer as montanhas, rios e pássaros austríacos para lá.
Sorriu com seu delírio. Ela realmente gostava de fazer isso.
 

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